Francisco(s) e a fraternidade

O tema da fraternidade está no DNA do cristianismo. Jesus viveu e pregou a fraternidade, apresentando-a no horizonte do amor ao próximo e na lógica de seu único mandamento: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). Disse aos seus discípulos: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Indicou que o serviço despretensioso deve marcar a atitude de cada discípulo em relação às pessoas. Criticou o modo como os chefes das nações e os grandes do mundo governam para acentuar que entre os seus discípulos não deverá ser assim (cf. Lc 22,25-26). Para isso, Jesus mesmo se identificou como aquele que veio para servir e não para ser servido (cf. Mc 10,45).

A comunidade dos primeiros cristãos entendeu esse ensinamento e se colocou atenta na observância da “comunhão fraterna” (At 2,42). Entre os ideais da vida cristã se destacava a fraternidade. Sabe-se como o cristianismo cunhou a história do Ocidente e, especialmente, os santos entenderam a novidade do evangelho ao propor a verdadeira irmandade entre as pessoas. Entre eles, destaca-se São Francisco de Assis. Ele alcançou um grau de integração humana que o fez estender a compreensão da fraternidade a outras criaturas, por ele assim chamadas: irmão sol, irmã luz, imã água, irmã terra… Escrevia aos frades, seus irmãos, servindo-se da expressão “Fratelli tutti” para condensar o ensino de Jesus a ser assumido por eles.

O Papa Francisco sempre teve especial atenção à fraternidade e à amizade social. Sua primeira saudação ao povo reunido na Praça de São Pedro já explicitava isso: “E agora iniciamos este caminho, Bispo e povo… este caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside a todas as Igrejas na caridade. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre uns pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade” (13.03.2013). Recentemente, inspirou-se no Santo de Assis para escrever a sua encíclica social Fratelli tutti, assinada junto ao túmulo do Poverello de Assis, em 3 de outubro de 2020. Escreve o Papa: “Com poucas e simples palavras, [Francisco de Assis] explicou o essencial de uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita” (FT 1).

O mundo hodierno padece de desumanidade como apontam os noticiários. É comum reconhecer os traços humanos onde há zelo pela vida, cuidado pelos irmãos. Li que Margaret Mead, em resposta a um aluno sobre qual seria o primeiro sinal de civilização em uma cultura, teria dito ser um fêmur quebrado e, depois, curado. Seria a evidência de que alguém tirou tempo para cuidar do outro até que ele se recuperasse. No mundo animal isso não seria possível. Assim, concluía a antropóloga, que ajudar outra pessoa nas dificuldades é o início da civilização. Cheguei a pensar que o início da civilização se deu com um gesto de fraternidade como o do bom samaritano.

Com o Papa Francisco, “sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza de sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (FT 8). Então, vamos nos permitir reconhecer em cada pessoa o nosso semelhante, o nosso irmão, caminho indispensável para a paz.

+ João Justino de Medeiros Silva

Arcebispo Metropolitano de Montes Claros

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